terça-feira, 21 de julho de 2020

Melina Indica - 5


Todos sabem que sou grande admiradora dos livros de José Eduardo Agualusa. Aos que não sabiam, passam a saber agora. Li todos. Na verdade, quase todos. Faltou um de poesia, publicado há trinta anos, que nem o autor tem.

Assim que ele anunciou em seu perfil do Instagram que seu mais novo livro estaria disponível para compras em breve, reservei meu exemplar de Os vivos e os outros.
Edição cuidada pela Quetzal, encontrei apenas um erro de digitação (normalmente existem mais, escritores e editores sabem do que falo). Já pela capa percebi o que o autor anunciava há meses sobre o romance: a ponte, incerta, cai ou não cai, deixava subentendido o clima de fim de mundo na Ilha de Moçambique. Trata-se de um festival literário, evento tão comum atualmente, que ocorre naquela ilha e reúne escritores africanos. 
Para os leitores mais aficionados, a parte mais divertida da leitura é associar as personagens a autores da realidade. Apontarei apenas um, os outros ficam para que vocês descubram: Uli,com sua voz doce que faz com que as mulheres peçam para os maridos, na cama, tentarem imitá-la, é uma transposição muito clara do Mia Couto para as páginas de Os vivos e os outros.
O realismo mágico marca presença, sim, mas não vamos ficar presos a esse detalhe. Afinal, parece que estamos vivendo uma realidade mágica neste momento. E na obra de Agualusa é assim que o realismo mágico aparece muitas vezes. Tão incrível e real que custa a acreditar que não é ficção.
Ou que é.
Portanto, indico, reindico, e indico novamente o melhor livro de José Eduardo Agualusa que já li. E repito que já li todos. Melhor que os badalados Teoria Geral do esquecimento (2012) e O vendedor de passados (2004). Com uma aproximação ao romance A vida no céu (2013), desfeita nas últimas páginas. Imperdível.

Os vivos e os outros, José Eduardo Agualusa
Quetzal, 2020

Da verdadeira Índia, meu primeiro livro

     Há alguns meses tenho trabalhado nesse projeto e mantido ele em segredo. Chegou o dia de revelar: esse da foto é meu primeiro livro. Ele será publicado em Portugal pela Editora Gato Bravo e no Brasil pela Editora Jaguatirica. O lançamento do livro Da verdadeira Índia será em breve (presencial cá e virtual lá).
      Por mais que eu sempre tenha gostado de escrever, isso não fazia de mim uma escritora. Até que o momento surgiu. Percebi que os acontecimentos não deveriam permanecer apenas na memória. Escrevi. Apresentei o projeto. A editora aceitou e cá está esse livro com essa linda capa. Espero que comprem, leiam e, gostando ou não, que sejam transformados de alguma maneira pela leitura. Porque é isso que a literatura deve fazer.

segunda-feira, 30 de março de 2020

O relógio russo e a matrioska paraguaia


(Conto inspirado em fatos reais.)

           
         Eu tenho um tio. O tio Fidel. Essa é a história do dia em que ele queria apenas voltar para casa, mas resolveu fazer uma brincadeira no meio do caminho. Meu tio não compreendia que brincadeiras nem sempre são bem-vindas em tempos como aqueles. Era uma época sombria. Fria. Com as ameaças de uma guerra distante e o terror de uma ditadura instalado nas proximidades.
            Mas o meu tio Fidel sempre gostou de brincar. Alguns diziam que ele fazia por provocação. Mas a verdade é que ele parecia alheio aos acontecimentos do mundo. Meu tio também gostava muito de contrariar. E só para contrariar o governo e brincar com o medo das pessoas, resolveu ostentar seus pertences russos. Que, aliás, eram do Paraguai. Mas o prazer que tio Fidel sentia estava no momento em que ele pronunciava a temível palavra e observava a reação provocada nas outras pessoas.
            Naquela tarde, tio Fidel saiu após o almoço, como sempre, para conversar com os pescadores na praia da Boa Viagem. Tomou uma cerveja e seguiu, como sempre, para a Cantareira, onde costumava tomar uma Coca-Cola com o seu amigo Ernesto. Após o encontro, ele pretendia subir a rua Fulgencio Batista, comprar quatro pães acabados de sair na padaria da esquina, e voltar para casa, onde era esperado por tia Olga, que era a sua mulher.
            No entanto, os acontecimentos o levaram também para outro lugar. Após acabar de beber a Coca-Cola, tio Fidel lembrou-se que ainda não havia ostentado nenhum dos seus pertences naquela tarde. Por isso, já na hora da despedida, aproximou-se um pouco mais de Ernesto – mais do que era socialmente confortável para a amizade deles – e perguntou:
            _ Está vendo esse relógio? – E enquanto falava aproximou o relógio a uma distância de cinco centímetros do nariz de Ernesto.
            Tio Fidel estava tão ansioso para ver a expressão na cara do amigo que não esperou a resposta e, por fim, declarou, simulando um sussurro, que pôde ser ouvido por quem estava na outra ponta do balcão:
            _ É ruuuusso! – Assim mesmo, esticando o “u” até onde o fôlego dos seus 59 anos permitia.
            Mas Ernesto não reagiu como meu tio esperava. Aliás, não reagiu de maneira nenhuma. (O que, como veremos mais à frente, quase lhe custou a liberdade.) Apenas despediu-se com um “Até amanhã” e seguiu na direção das barcas.
            Tio Fidel, meio decepcionado, obedeceu à rotina e foi à padaria, com os mesmos passos calmos que costumava utilizar em todas as situações. Dezoito minutos depois, ao chegar em casa, tia Olga abriu a porta. Ela parecia muito aflita. Meu tio logo percebeu que ela tinha companhia. Sentados no sofá, estavam dois agentes da polícia, que informaram que ele seria levado à delegacia para um interrogatório. O motivo: suspeitavam que tio Fidel era um provável espião a serviço da URSS.
            Meu tio Fidel, ainda sem entender nada, entrou no carro da polícia e foi levado até à delegacia, no centro da cidade. Ao ser encaminhado para a sala de interrogatórios, percebeu que lá dentro já havia outra pessoa aguardando para também ser interrogada. Era Ernesto.
            Tio Fidel, ainda sem compreender, tentou falar com o seu amigo, mas foi obrigado a calar-se. Em épocas sombrias como aquela, esperam que estejamos sempre calados, mesmo em salas onde deveríamos responder às perguntas feitas. Após quatro cansativas horas, os dois foram liberados. Ernesto, por falta de provas. Tio Fidel, por falta de paciência do delegado. Meu tio, coitado, ainda não compreendia o acontecido. Mas aproveitou que estava no centro da cidade e foi à praça dos camelôs. Ele queria procurar alguma matrioska paraguaia para assustar a tia Olga quando chegasse em casa.

sábado, 4 de janeiro de 2020

Melina Indica - 4


"Eu seria muito infeliz num mundo feliz. Ela seria feliz em qualquer mundo."

Com esse Princípio de Karenina, Afonso Cruz apresenta a história de um pai que escreve à filha que nunca o conheceu. Estabelecendo intertextualidades com Tolstoi, o romance tem como cenário um Portugal aldeão e hipócrita e a longínqua Cochinchina, capaz de desconstruir tudo o que o protagonista tinha como ideal de vida. Esse livro do Afonso Cruz consolida-o como um dos melhores escritores portugueses da atualidade.

Companhia das Letras, 2018.

Melina Indica - 6

            Não encontrei a escrita de Marcelo Birmajer totalmente por acaso. Ela me foi recomendada pelo artigo de um editor que considero....