sexta-feira, 19 de maio de 2023

Melina Indica - 6

 


        Não encontrei a escrita de Marcelo Birmajer totalmente por acaso. Ela me foi recomendada pelo artigo de um editor que considero. Só não me recordo como esse artigo apareceu aberto na tela do meu computador.

Fui à procura de livros e encontrei em português Histórias de homens casados. O tradutor é de fato português, mas o livro foi publicado por uma editora brasileira. A parte ortográfica e gramatical é impecável. O detalhe é que o teor de erotismo literário – que dá para sentir que Marcelo Birmajer atinge com maestria – foi um pouco perdido. Das maiores diferenças entre o português lusitano e o brasileiro estão as palavras que fazem referência ao corpo, especificamente com conotação sexual. Portanto, por questões de tradução, palavras como “mamas” e “nádegas” não me permitiram sentir toda a potência que eu tenho a certeza que ele teve ao escrever.

        O livro é grande. Eu queria falar de todos os contos. Cito apenas algumas partes aqui, das vezes em que lembrei de parar a leitura e fazer anotações. Em um dos contos ele chama – de forma brilhante – impudico ao telefone, “um passaporte entre nosso mundo e o de Sodoma e Gomorra”, pois se pode falar nu com a mãe ou interromper o ato sexual para atender a irmã. Já “Na noite de núpcias” me levou do riso ao choro, e esse é um dos contos com elementos mais sensuais.

A escrita de Marcelo Birmajer é tão agradável e bem elaborada que nos transmite as sensações durante a leitura. Eu senti – e eu realmente senti – repulsa quando Omar se atirou na protagonista de “O recepcionista”, como se de mim se tratasse. Senti o pavor de Ribalta ao correr pela rua enquanto era perseguido pelo taxista Testemunha de Jeová. Senti tesão em diversos momentos, principalmente ao ler o conto “Nas alturas”, cuja escolha certeira do título me inspira a escrever um artigo especificamente sobre ele.


        E tive a mesma sensação quando o narrador de “Uma entrevista com Kissinger”, que deixa no leitor – ou nesta leitora – a eterna confusão – que às vezes faço propositadamente – em separar autor de narrador. Nesse conto o narrador também é escritor e também trabalha para um jornal. Ao ser questionado por uma jornalista se seus contos eram verdadeiros ou se, ao desligar o gravador, ele não passava de um trapaceiro, o narrador – autor? – responde, de certa forma, com palavras mais bonitas e uma explicação que não transcreverei aqui, que a jornalista pode desligar o gravador e ele irá confessar que os contos são reais.

        E como a vida tem dessas coincidências engraçadas, encontrei muitas semelhanças entre a escrita de Marcelo Birmajer e de José Eduardo Agualusa – que é o meu escritor angolano preferido. Quase no final do livro, já com essa inevitável comparação em mente, detectei sinais de realismo mágico – ou terá sido extrapolação minha? – em “O senhor vietnamita”.

        Sendo o acaso ou não, estou feliz de ter encontrado esse livro e o escritor Marcelo Birmajer – que tem muitos outros livros que ainda poderei ler – pois há muito tempo eu não me deliciava de tal forma lendo contos.

        É a literatura argentina contemporânea que está viva. Muito viva.

sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Assegure às suas filhas e filhos um passado (nem sempre melhor)

     O título desta postagem é inspirado em um livro do angolano José Eduardo Agualusa. Na história,  o protagonista Félix Ventura inventa passados ilustres para seus clientes. No cartão de visita, anuncia: "Assegure aos seus filhos um passado melhor.” (O vendedor de Passados, 2004).

    O trabalho de genealogia assemelha-se a esse vendedor/inventor de passados. Muitas vezes não conhecemos a história da família e quando descobrimos parece se tratar de invenção. Em outras, temos a certeza de conhecer cada detalhe, até que aparece um documento que muda tudo.
    Pesquiso certidões antigas desde os 12 anos. Estou com 37. Há períodos em que desanimo, mas depois retomo a busca. Muitas vezes não sei o que estou buscando. E é quando faço as melhores descobertas.
   Ao estudar Literatura, eu me apaixonei pelo Erico Verissimo, o que só me aproximou mais de assuntos genealógicos. Além de viajar com ele nos livros, andei um pouco fora deles. Mas quanto mais eu andava, mais sentia falta de preencher dois buracos que eu pesquisava desde a adolescência: para onde meus trisavós italianos foram ao chegar ao Brasil e de onde especificamente meu bisavô português veio. E é isso, escrevo este texto sem nenhuma conclusão específica, apenas para introduzir a genealogia no blog.
    Este texto é, portanto, para todos que como eu sentem prazer ao olhar um documento amarelado, manchado, rasgado, considerado perdido, para aqueles que buscam suas origens ou as dos outros. Não busco com intuito de obter cidadania. Eu vivi por muitos anos fora do Brasil e nunca precisei desse documento. O desejo de conseguir a cidadania muitas vezes limita e atrapalha a busca, mas respeito e acolho quem estiver aqui com essa intenção.

terça-feira, 21 de julho de 2020

Melina Indica - 5


Todos sabem que sou grande admiradora dos livros de José Eduardo Agualusa. Aos que não sabiam, passam a saber agora. Li todos. Na verdade, quase todos. Faltou um de poesia, publicado há trinta anos, que nem o autor tem.

Assim que ele anunciou em seu perfil do Instagram que seu mais novo livro estaria disponível para compras em breve, reservei meu exemplar de Os vivos e os outros.
Edição cuidada pela Quetzal, encontrei apenas um erro de digitação (normalmente existem mais, escritores e editores sabem do que falo). Já pela capa percebi o que o autor anunciava há meses sobre o romance: a ponte, incerta, cai ou não cai, deixava subentendido o clima de fim de mundo na Ilha de Moçambique. Trata-se de um festival literário, evento tão comum atualmente, que ocorre naquela ilha e reúne escritores africanos. 
Para os leitores mais aficionados, a parte mais divertida da leitura é associar as personagens a autores da realidade. Apontarei apenas um, os outros ficam para que vocês descubram: Uli,com sua voz doce que faz com que as mulheres peçam para os maridos, na cama, tentarem imitá-la, é uma transposição muito clara do Mia Couto para as páginas de Os vivos e os outros.
O realismo mágico marca presença, sim, mas não vamos ficar presos a esse detalhe. Afinal, parece que estamos vivendo uma realidade mágica neste momento. E na obra de Agualusa é assim que o realismo mágico aparece muitas vezes. Tão incrível e real que custa a acreditar que não é ficção.
Ou que é.
Portanto, indico, reindico, e indico novamente o melhor livro de José Eduardo Agualusa que já li. E repito que já li todos. Melhor que os badalados Teoria Geral do esquecimento (2012) e O vendedor de passados (2004). Com uma aproximação ao romance A vida no céu (2013), desfeita nas últimas páginas. Imperdível.

Os vivos e os outros, José Eduardo Agualusa
Quetzal, 2020

Da verdadeira Índia, meu primeiro livro

     Há alguns meses tenho trabalhado nesse projeto e mantido ele em segredo. Chegou o dia de revelar: esse da foto é meu primeiro livro. Ele será publicado em Portugal pela Editora Gato Bravo e no Brasil pela Editora Jaguatirica. O lançamento do livro Da verdadeira Índia será em breve (presencial cá e virtual lá).
      Por mais que eu sempre tenha gostado de escrever, isso não fazia de mim uma escritora. Até que o momento surgiu. Percebi que os acontecimentos não deveriam permanecer apenas na memória. Escrevi. Apresentei o projeto. A editora aceitou e cá está esse livro com essa linda capa. Espero que comprem, leiam e, gostando ou não, que sejam transformados de alguma maneira pela leitura. Porque é isso que a literatura deve fazer.

segunda-feira, 30 de março de 2020

O relógio russo e a matrioska paraguaia


(Conto inspirado em fatos reais.)

           
         Eu tenho um tio. O tio Fidel. Essa é a história do dia em que ele queria apenas voltar para casa, mas resolveu fazer uma brincadeira no meio do caminho. Meu tio não compreendia que brincadeiras nem sempre são bem-vindas em tempos como aqueles. Era uma época sombria. Fria. Com as ameaças de uma guerra distante e o terror de uma ditadura instalado nas proximidades.
            Mas o meu tio Fidel sempre gostou de brincar. Alguns diziam que ele fazia por provocação. Mas a verdade é que ele parecia alheio aos acontecimentos do mundo. Meu tio também gostava muito de contrariar. E só para contrariar o governo e brincar com o medo das pessoas, resolveu ostentar seus pertences russos. Que, aliás, eram do Paraguai. Mas o prazer que tio Fidel sentia estava no momento em que ele pronunciava a temível palavra e observava a reação provocada nas outras pessoas.
            Naquela tarde, tio Fidel saiu após o almoço, como sempre, para conversar com os pescadores na praia da Boa Viagem. Tomou uma cerveja e seguiu, como sempre, para a Cantareira, onde costumava tomar uma Coca-Cola com o seu amigo Ernesto. Após o encontro, ele pretendia subir a rua Fulgencio Batista, comprar quatro pães acabados de sair na padaria da esquina, e voltar para casa, onde era esperado por tia Olga, que era a sua mulher.
            No entanto, os acontecimentos o levaram também para outro lugar. Após acabar de beber a Coca-Cola, tio Fidel lembrou-se que ainda não havia ostentado nenhum dos seus pertences naquela tarde. Por isso, já na hora da despedida, aproximou-se um pouco mais de Ernesto – mais do que era socialmente confortável para a amizade deles – e perguntou:
            _ Está vendo esse relógio? – E enquanto falava aproximou o relógio a uma distância de cinco centímetros do nariz de Ernesto.
            Tio Fidel estava tão ansioso para ver a expressão na cara do amigo que não esperou a resposta e, por fim, declarou, simulando um sussurro, que pôde ser ouvido por quem estava na outra ponta do balcão:
            _ É ruuuusso! – Assim mesmo, esticando o “u” até onde o fôlego dos seus 59 anos permitia.
            Mas Ernesto não reagiu como meu tio esperava. Aliás, não reagiu de maneira nenhuma. (O que, como veremos mais à frente, quase lhe custou a liberdade.) Apenas despediu-se com um “Até amanhã” e seguiu na direção das barcas.
            Tio Fidel, meio decepcionado, obedeceu à rotina e foi à padaria, com os mesmos passos calmos que costumava utilizar em todas as situações. Dezoito minutos depois, ao chegar em casa, tia Olga abriu a porta. Ela parecia muito aflita. Meu tio logo percebeu que ela tinha companhia. Sentados no sofá, estavam dois agentes da polícia, que informaram que ele seria levado à delegacia para um interrogatório. O motivo: suspeitavam que tio Fidel era um provável espião a serviço da URSS.
            Meu tio Fidel, ainda sem entender nada, entrou no carro da polícia e foi levado até à delegacia, no centro da cidade. Ao ser encaminhado para a sala de interrogatórios, percebeu que lá dentro já havia outra pessoa aguardando para também ser interrogada. Era Ernesto.
            Tio Fidel, ainda sem compreender, tentou falar com o seu amigo, mas foi obrigado a calar-se. Em épocas sombrias como aquela, esperam que estejamos sempre calados, mesmo em salas onde deveríamos responder às perguntas feitas. Após quatro cansativas horas, os dois foram liberados. Ernesto, por falta de provas. Tio Fidel, por falta de paciência do delegado. Meu tio, coitado, ainda não compreendia o acontecido. Mas aproveitou que estava no centro da cidade e foi à praça dos camelôs. Ele queria procurar alguma matrioska paraguaia para assustar a tia Olga quando chegasse em casa.

sábado, 4 de janeiro de 2020

Melina Indica - 4


"Eu seria muito infeliz num mundo feliz. Ela seria feliz em qualquer mundo."

Com esse Princípio de Karenina, Afonso Cruz apresenta a história de um pai que escreve à filha que nunca o conheceu. Estabelecendo intertextualidades com Tolstoi, o romance tem como cenário um Portugal aldeão e hipócrita e a longínqua Cochinchina, capaz de desconstruir tudo o que o protagonista tinha como ideal de vida. Esse livro do Afonso Cruz consolida-o como um dos melhores escritores portugueses da atualidade.

Companhia das Letras, 2018.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Melina Indica - 3

a máquina de fazer espanhóis, de Valter Hugo Mãe, comove até os insensíveis. Um exercício para a terceira idade. O romance aborda um hábito muito comum na Europa, moda que ainda não pegou tanto no Brasil: colocar em lares (eufemismo para asilos) os velhos que deveriam estar ao lado da família. Um dos melhores romances do autor.

Porto Editora: 2016.


Melina Indica - 6

            Não encontrei a escrita de Marcelo Birmajer totalmente por acaso. Ela me foi recomendada pelo artigo de um editor que considero....